terça-feira, 23 de abril de 2024


 

 

A RAINHA DO MAR V

 

Vendo um retrato feito por pintor

E escutando as descrições dos mensageiros,

Dom João assentiu com seu valor,

 

Pois de fato, os anos passam, bem ligeiros

E já cansara de escolher mulher

Que o satisfizesse e também aos estrangeiros...

 

Sendo aquela a mais formosa que puder

Encontrar de seu reino nos rincões,

Jurou casar-se, sem a ver sequer...

 

Foi uma esquadra a confirmar suas intenções,

Levando a carta, com a promessa escrita,

Esclarecendo totalmente as posições

 

E vendo o pai ser verdadeira a dita,

Concordou que a levassem, afinal,

Dando a seu rei a filha tão bonita...

 

Levou consigo seu minúsculo enxoval,

Tecido às pressas por sua mãe e amigas...

Mas devido à sua pobreza natural

 

Tinha a família só roupas muito antigas,

Desgastadas pelo uso e bem grosseiras,

Que na corte provocariam troça e figas...

 

Rendia pouco o produto de suas jeiras

E eram tantos os que delas comiam!...

Monte Escarpado localizado nas fronteiras

 

Entre a nação e outros reinos que existiam.

E assim Inês partiu, só acompanhada

Por três aias, que da capital lhe enviam...

 

Era uma jovem gentil, bem educada,

Mas não conhecia as maneiras cortesãs;

De ensiná-las cada aia encarregada...

 

Mas as precauções acabaram sendo vãs,

Porque encontraram  uma forte tempestade,

Que persistiu por três noites e manhãs...

 

As caravelas, das ondas à vontade,

Umas das outras, aos poucos, se afastaram

E a de Inês, para maior infelicidade,

 

Com violência as vagas naufragaram,

Saindo em botes tripulantes e soldados

E Inês em outro, mas as aias se afastaram!

 

Chegou o bote à praia, em alcantilados

Rochedos, trazendo Inês e uns marinheiros

E nos penhascos ficaram isolados!

 

No outro dia, chegaram uns montanheiros,

Que os alçaram para além dos montes

E os acomodaram nas casas de chacreiros...

 

A RAINHA DO MAR VI

 

Foi Dona Inês por uma velha recebida,

Que lhe emprestou umas roupas a trocar;

Mas ao saber que essa jovem acolhida

 

Era a noiva do rei, sua inveja a dominar,

Logo  a levou para conhecer a horta,

Para num poço fundo a empurrar!...

 

Com as mesmas roupas ajeitou sua filha torta,

Mais feia e nariguda que o pecado,

Calculando que Inês já estava morta!...

 

Com um véu grosso seu rosto bem tapado

E sem nada falar, sob o pretexto

De que ficara com o rosto todo inchado

 

E por uns tempos, só falaria por gesto...

E num barco diferente essa impostora

Embarcou, nesse truque desonesto...

 

Depois que foram, chegou a malfeitora

Até a boca do poço; e descobriu

Viver ainda Dona Inês, gelada embora!

 

Para evitar ser descoberta, decidiu

Puxá-la bem depressa para fora;

E como estava desmaiada, desferiu

 

Com as longas unhas, dois golpes nessa hora,

Ambos os olhos da pobrezinha perfurando!

E a cabeça lhe raspou, sem mais demora!

 

Logo a seguir, braços e pernas amarrando,

Ela a encerrou dentro de um caixão,

Sobre a beira do precipício o derrubando!

 

Sem ter por ela mercê nem compaixão,

Porém querendo assim só garantir

Da própria filha a feliz coroação!...

 

Mas as ondas do mar, no seu bulir,

O ataúde inteiramente transportaram

Até a capital do reino ele atingir!...

 

Depois, dois pescadores o puxaram

Para seu barco e, na maior surpresa,

A pobre moça cega ali encontraram!...

 

Enquanto isso, a esquadra já chegara

E a pouco e pouco, junto ao porto se reuniu;

Tão somente um dos navios que naufragara...

 

O almirante, em desespero, a não cumprir

A missão de que seu rei o incumbira,

A culpa inteira do sinistro a assumir...

 

Mas lentamente, toda a gente se reunira

E nem um único marinheiro perecera,

Coisa bem rara quando a tormenta gira!...

 

domingo, 21 de abril de 2024


 

 

PENEDIA I – 10 ABRIL 24

(MARY PICKFORD, grande  dama do cinema mudo)

 

Ainda mantenho essa visão do pedregulho

que um dia a sua rocha ser ela afirmou,

flor desse espanto com que me degustou,

sem ter espera ou noção de tal esbulho,

sua força altiva reduzida a entulho,

até que ponto ele a desapontou?

Com tanto alarde sua voz ele escutou,

mas somente uma vez estuou o orgulho.

 

Hoje perdura simples grão de areia,

que ainda palpita na praia de sua alma

e insiste em escrever na longa praia...

 

Pequeno fogo seu coração ainda ateia,

que ela abana com gentileza e calma,

preso em seus dedos, sem permitir que caia!

 

PENEDIA II

 

Pobre grãozinho na praia do infinito,

rubro infinito de seu forte coração.

tão atrevido em oferecer-lhe proteção,

calhau inchado na pretensão do grito,

por trás do orgulho somente um seixo aflito,

amor imenso mascarado em ilusáo,

amor pequeno a suplicar sua pretensão,

derretido em seu ardor esse aerolito!

 

Em sua vaidade pretendendo ser poeta,

fingiu ser magma não mais que luz de fósforo,

que jamais lhe comprará mansão no Bósforo,

 

sua única conquista essa dileta

luz perenal incapaz de superar,

sequer sua imagem atrever-se a cobiçar.

 

PENEDIA III

 

Essa sua deusa a receber tantos orantes,

nunca a algum deles  respondendo a prece,

apenas sobre mim é que sua tulpa desce,

nessa intinção de seus dotes mais constantes.

Os dois lados do hexágono brilhantes,

essas  arestas em que minha pele desfalece,

minhas reentrâncias sem luz que amor não cesse

de alimntar por encarnações distantes.

 

Passados anos, calhau depois de seixo,

foi-se acrescendo o pobre pedregulho,

chegou a pensar que em penedia transmutasse.

 

Mas nestes versos minha confissão eu deixo:

tudo quanto em mim existe e que me orgulho,

cacos de jóias que sobre mim soprasse!

 

CONQUISTADORA I – 11 ABRIL24

 

Ela mostrou-me os seios empinados,

como pedra basilar de sua vaidade,

deixada atrás sua primeira mocidade,

armas de guerra seus mamilos castanhados.

Eu que pensava ser contido,como alados

foram meus sonhos de ousadia e de ansiedade,

mas como me atrevi a lhe pedir saudade,

ela tomou-me para sempre em seu cuidado.

 

Mas que não haja qualquer suspeita de vanglória:

sabe Inanna, a deusa antiga, que foi ela,

que por vezes sem conta me atraiu.

 

Foram seus seios o início de minha história,

como me dominou o anseio da procela,

quando me arpoou e o coração me abriu!

 

CONQUISTADORA II

 

Não me atrevi a pedir-lhe nada mais.

Eram seus versos de sabores singulares

que me arpoaram ainda mais, rijos altares,

para essa deusa a executr ritos fatais.

Sabem os deuses seus dotes naturais,

mas nada deles agrilhoara meus azares,

minha mente se encantou, sem mais pesares,

seu corpo apenas foram pecados capitais.

 

Meses e anos tão somente de amizade,

trocando versos que ela até mostrava

ao namorado que dela então se galardoava,

 

mas que jamais soube lhe dar felicidade.

Mais era a música que comigo ela escutava,

dançando em mim os beijos que não dava.

 

CONQUISTADORA III

 

Até aquela noite de total metempsicose,

em que osculou-me inesperdamente;

já tinha há muito conquistado meu presente,

mas nessa noite de mim sorveu a última dose.

De minhas amigas a derribar qualquer osmose,

só imagino o triunfo em seu semblante,

por meu ardor que ela deixara delirante,

foi mãe e esposa nessa total meiose.

 

Não permitindo ao amor que então senti,

jamais de novo a desculpa esfarrapada

de que sua alma fosse todo o meu desejo!

 

Que nessa noite inteiro eu me verti,

ante sua boca de alcaçuz, beijo acirrado

que a própria alma devorou-me nesse beijo!

 

COMPLETAÇÃO I – 12 ABRIL 2024

 

Passou-se a noite e a luz de um sol nublado

se me esgueirou por entre as grades da janela.

Estou só no escritório.  Sei minha bela

bem perto e longe se encontra do meu lado.

Cada estranha memória de novo se congela,

como um tris em corte rápido e extremado,

a vidraça que me toma em seu rasgado,

horas ainda até que veja minha donzela...

 

que donzela não é, sabem os deuses:

só a conheci quando já tinha trinta anos,

forte em namoro com algum de qualidade

 

muito maior que a minha e deu-lhe adeuses!...

Foi um amor em mim insuflado por arcanos

e nem sequer a desejava, é bem verdade!...

 

COMPLETAÇÃO II

 

O que eu queria era a magia de seus versos,

que me encantaram a mente e o coração.

Sabem os deuses realizar composição,

mas sem querer-lhe dedilhar os terços;

sabem os deuses meus motivos tão diversos,

agrilhoando cada palma, cada mão,

perdido estava em ergástulo malsão,

minha força gasta em deveres tão dispersos...

 

Ela sofrera já. Fora sempre solitária,

por mais que se perdesse em alheios braços...

Sabem os deuses minha caleidoscópica emoção,

 

que me rasgava rm minha senda mulifária.

Vesti seus versos na alma de meus traços,

sem a mim mesmo confessar a minha paixão!

 

COMPLETAÇÃO III

 

Deusas antigas, hoje santas e madonas,

como soubestes nos então submeter!

Do ideal monoteísta até esquecer,

a terra e a mãe a erguer-se nessas lonas...

Com as quais sacerdotes  e hábeis marafonas

as souberam entronizar em seu poder,

mudados nomes, nos altares a se erguer,

minha voz arcana, como em mim ressonas!

 

Assim, inteiramente foi-se a noite,

a luz mortiça greta minha vidraça;

ela está perto, em seu leito sem luar

 

e a mim o ordálio me corta em cada açoite,

vaga minha vida, sem que esse ardor me faça

descer a escada em meu astral a palpitar!

sábado, 20 de abril de 2024


 

 

A RAINHA DO MAR III

 

Escolhidas as da corte, a pente fino,

Foram sendo ao soberano apresentadas,

Suas maquiagens favorecendo o feminino...

 

Mas por Dom João foram sendo descartadas,

Que a maioria não era bela o suficiente

Outras de irmãos eram mal aquinhoadas...

 

E das cidades procuraram entre a gente,

Mas nenhuma a Dom João satisfazia:

“Eu quero uma de beleza tão saliente

 

“Que minha escolha seja aceita em harmonia

Como sendo dentre todas a mais bela:

De forma alguma um motivo de ironia!...

 

“Que a mais bonita eu desejo e hei de tê-la

Ou ao menos, a mais formosa do país...

Tenho certeza de que acabarei por vê-la...”

 

Seus arautos cumpriram o que o rei quis

E casa a casa pelo reino esmiuçaram...

Mulheres belas qual a flor-de-lis

 

Aqui e ali os mensageiros encontraram,

Mas em famílias de muitas irmãs...

Bem menos belas facilmente acharam,

 

Com linhagens masculinas mais louçãs,

Mas nenhuma que a ambas condições

Satisfizesse suas longas buscas vãs...

 

Dom João avaliou bem as situações

E elaborou uma lista de “passáveis”,

Sempre as mais belas nessas ocasiões...

 

Das quais escolheria as mais afáveis,

Pois com alguma casaria, possivelmente,

Dessa lista das que lhe eram aceitáveis...

 

Mas não se achava satisfeito, realmente,

Pois se sentia como homem já maduro

Para casar-se assim, impensadamente...

 

Estavam as coisas nesse pé, quando no escuro

De uma igreja viram um jovem a chorar

Diante da santa de coração mais puro...

 

Chegou um padre para lhe perguntar

Qual o motivo de seu arrependimento:

No confessionário o poderia escutar...

 

“Mas eu não tenho pecado.  É o sofrimento.

Da casa de meus pais tenho saudade

E essa imagem despertou meu sentimento,

 

“Sem que eu tivesse cometido uma maldade...

É que essa imagem de Nossa Senhora

Lembra muito minha irmã, essa é a verdade!...

 

A RAINHA DO MAR IV

 

O padre recordou-se, nessa hora

Da bela noiva que buscavam para o rei,

De corpo e rosto tão perfeito quanto outrora

 

Fora Maria agraciada dentre a grei,

Para gerar do mundo o Salvador,

Logo pensando: “Ao bispo eu falarei!...”

 

Mas primeiro indagou: “Caro senhor,

Você é conterrâneo ou estrangeiro?”

E respondeu-lhe o rapaz, com grande ardor:

 

“Desta nação sou cidadão certeiro,

Igual meus pais e como foram meus avós;

O nosso lar é justo e hospitaleiro...”

 

“E quantos filhos eles têm, além de vós?”

“Ah, somos doze, mas só temos essa irmã...

Moramos no Escarpado, junto do rio a foz...

 

“A nossa terra é fértil, boa e chã,

Mas para morar lá somos demais

E à procura de emprego estou no afã...”

 

“De um jardineiro precisamos, ademais...”

Disse-lhe o padre.  “Fique esperando aqui,

Um bom emprego conseguir-te vais...”

 

E disse ao bispo: “Senhor, a noiva consegui

Que nosso rei ansioso está a buscar...

O irmão dela está na igreja, logo ali...”

 

Foi logo o bispo ao rapaz interrogar

E prometeu-lhe emprego e um bom quartinho,

Indo depressa ao rei se apresentar...

 

E o Conselho convocou o rapazinho,

Que novamente descreveu sua irmandade,

Da única irmã falando com carinho...

 

Mensageiros mandaram para a veracidade

Confirmarem do relato do rapaz,

Que a verificassem com sinceridade...

 

À casa de seu pai o irmão os traz,

Maravilhados ficando com a beldade,

Que os requisitos do rei bem satisfaz!...

 

Mas disse o pai da moça: “Na realidade,

A minha filha a vocês não entregarei,

Sem documento que garanta a idoneidade

 

“Do casamento assim proposto pelo rei;

Nunca antes de um escrito juramento

É que o desposará, segundo a lei...

 

“Só então eu lhe darei consentimento;

Inês criamos com demasiado amor

E só aceito um tal procedimento...